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terça-feira, 28 de abril de 2009

Sem título pra ele

A última coisa que viu foram quadros, não quadros que presenciam beijos, romances, não precisava mais desse tipo de quadro - vira o quadro de uma boa amiga, a janela do ônibus, outro quadro. A cidade não era mais ameaça, nem promessa. Havia um gosto acre no ar, uma certa amargura que emanava das coisas - talvez por que a cidade ainda não tinha lhe dado o gosto do regresso, apenas uma apatia não incomoda, pelo contrário, muito conveniente. Não media mais o tempo, decidiu se dedicar a sua arte, decidiu por pra fora - com calma - sua arte. Falava arte sem voz empompada, mas mesmo assim soava vulgar.
Arte. Um pouco patético - segundo seu próprio julgamento -, escolhia conforme suas ilusões, seus caprichos e miopia.
Escolheu não mais dizer, não punir a própria conveniência e não mais ficar sem as pequenas coisas que preenchem o vazio. Pequenas coisas que embriagam, carregam a alma para lá e para cá. Que monstros aceitou? E quais monstros que não podem ser afogados, mutilados e espalhados pela cidade? Não há monstro que não possa ser morto. Pode-se muito bem conviver com eles, porém, não há loucura sem remissão. Qual o maior dos crimes? O do silêncio daqueles que andam, esbarram em nós, e nos fazem invisíveis? A nossa vingança azeda e imperceptível? Quem é vilão? Quem é o agente e o sofredor? Não importam os papéis, nossa pele não será assim para sempre, nossos sonhos vão cair - e por que falar "sonhos" é tão pesado quanto "amor"?. Em cada bar cai um pouco a nossa vida, essa sombra silenciosa que nos rouba o viço de pouco em pouco, de gole em gole, de tragada em tragada, de silêncio em silêncio, de amor em amor. Tanto gris não nos faz gargalhar, mas ainda podemos, mesmo assim sem gargalhar, sentar no bar, com o braço no balcão e um sorrisinho qualquer, virar o rosto e ignorar.
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por ele, que guardou tudo o que eu tinha dentro de mim e que ganhou todo meu coração.
já sinto saudade.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

O Poste

Poucos carros passavam na rua. Mesmo sendo o centro da cidade, a estas horas apenas alguns se atreviam a perambular por ali. O medo de ser assaltado, seqüestrado, ou qualquer paranóia moderna assolava a maioria das pessoas, mas isso não impedia alguns bêbados ou jovens que voltavam, ou iam, a festas de passar por ali. As árvores balançavam sincronizadas no frio vento sul, que castigava os mendigos, os quais buscavam qualquer canto para se proteger.

Iluminada pela luz, embaixo de um poste, uma jovem estava parada. Tremia de frio por causa da pouca roupa que tinha de usar para o trabalho. Os braços cruzados se esfregavam para tentar aquecer o corpo. Castigada pelo vento, olhava de um lado para o outro esperando algum carro passar. E quando passava, mostrava-se, fazia poses, tudo para chamar a atenção. Ninguém parava. Estava sozinha, nenhuma de suas companheiras estava trabalhando hoje. Isto deixava a noite ainda mais solitária.

Descendo a rua vem um carro. Ela começa o seu ritual. Funciona, o carro para. A jovem anda até a janela do carro, se debruça e começa a conversar. Os cabelos negros caem sobre o rosto, mas ela os coloca atrás da orelha com um movimento preciso, revelando seus profundos olhos azuis. Mas algo dá errado, e o carro dispara. A moça, desolada, volta para seu lugar embaixo do poste. O mesmo poste da primeira vez que trabalhou ali, o mesmo poste de toda noite, o mesmo poste de dois anos atrás. Lembra do primeiro cliente, da insegurança, do medo de algo acontecer e do apoio das colegas de profissão. Lembra do motivo que a fez entrar nessa vida: a falta de educação decente, oportunidade, dignidade. Sente vontade de gritar, sair dali, mas não pode, precisa disso para sobreviver.

Outro carro passa, ela começa novamente. O carro pára. Ela faz o mesmo ritual, mas desta fez funciona, entra no carro e deixa a rua para trás. Mas não interessa, amanhã ela estará de volta, à mesma rua, ao mesmo poste.

domingo, 12 de abril de 2009

Foi e não voltou.

Chegou a hora de partir e deixar para trás o passado, sempre tão presente.

Ela olha para trás. Analisa o que deixa na casa que não era sua, conta as poucas coisas que leva na mala: duas calças, três blusas - aquela branca, que ele adora, fez questão de deixar -, um pote de lágrimas gordas e muitas decepções.

Obviamente que houve coisas boas, mas ao fazer o que mamãe ensinou e colocar as coisas na balança o prato das péssimas lembranças quebrou, tamanho o peso.

Ela olhou para trás. Uma última vez. Deparou-se com sua imagem postada à porta. Não imaginou que seria diferente: olhos pesados, tristes e a mesma inércia de sempre - aquela que não o fez mudar.

Bem que tentaram avisar. Mas o que ela poderia ver além do jeito tímido de rir e de fazê-la desarmar-se?

Bom, então ela olhou aquela última vez para trás e ele estava lá, como sempre esteve; mas ela não. Quando ele a olhou logo percebeu que ela ia. Para não voltar mais.

Quando você já sabe o que é a perfeição

                A mulher que amo tem cabelos negros e compridos. Olhos castanhos profundos, como buracos negros no céu, onde, sem perceber, me perco ao fitar por muito tempo. Ela, com a pele clara, a estatura mediana e a boca macia, leva-me à cada detalhe seu e me transporta à porta de sua alma, sempre com o êxito em passar despercebida.

                Gosta de música; não só de ouvir, mas também de tocar. Temos gostos semelhantes; os dela, adquiridos de mim, ou de seu passado e futuro. Gosta de beber e falar, e de Syd Barret e os Beatles. Senta comigo na sacada para fumar e escrever nas noites solitárias. Tem pensamentos indecifráveis, com momentâneos lapsos de razão, mas seu olhar me dá um brilho de esclarecimento. Às vezes pareço entendê-la, às vezes um ponto de interrogação paira em seus olhos. É contraditória, parece me amar em um momento, mas me odeia e se afasta em outro. Às vezes me trata apenas como velho amigo, às vezes como eterno amante.

                Ela tem cabelos negros e compridos, olhos castanhos com tons de mel, desses de se perder ao fitar por muito tempo. Mas o mais importante: a mulher que amo não existe.

 

Com revisão e bedelho da Carol.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Vá caminhando.

Mais agonizante é a espera. Não o verbo; o sentimento. Você aguarda algo, alguém, uma história. Cansada de aguardar, talvez durma no ponto. Cansada de esperar, talvez caminhe até o que quer e, essa é a pior das esperas, descobre que batucou por aquilo que não era exatamente o pressuposto.
Victoria esperou Vitor voltar, ele voltou, mas não é mais o mesmo. João esperou os anos passarem para descobrir que Joana era o amor da sua vida. Esperou Joana não amá-lo mais. Gabriela aguardou os anos passarem voando, vendo sua vida se desfazer em esforço. Quando seus joelhos já não eram tão resistentes, descobriu o prazer e não conseguiu usufruí-lo ao máximo. Carolina esperou uma vida inteira para descobrir que nada vale em PRÉocupar-se.
Inteligente mesmo foi Luisa. Esperou envelhecer. Sentiu suas rugas chegarem, viveu cada trauma caindo em si e como se fosse mais uma etapa da espera pelo fim. Quando era para beber, bebeu. Quando era para ler, leu. Quando era para não rir, riu. Chegamos juntas à conclusão que parar no tempo só é válido pela única coisa do qual temos certeza: daqui vamos para bem longe.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Lições

                A lua cheia estava no alto do céu naquela noite. A tênue luz branca do astro iluminava a noite escura e quente, enquanto uma leve brisa fresca soprava balançando os ramos das árvores, aliviando o dia cálido. Sob a luz do luar, três homens conversavam na escuridão enquanto bebiam cerveja e fumavam seus cigarros. A conversa, o brilho da brasa e o som do líquido dourado jorrando nos copos descompassavam o silêncio noturno.

                Falando sobre tudo, mulheres, embriaguez, drogas, futebol, passado e futuro; entre cada latinha e cada tragada quebravam a monotonia diária. Era sábado, todos estavam cansados da semana que acabava, notícias tristes tinham derrubado o animo dos três naqueles tempos. A morte trouxe-os tristeza e nostalgia, refletida na prosa do trio; a perda do avô e pai abateu a todos.

                Junto com a cerveja, os cigarros acabaram. Enquanto o brilho alcoólico ainda se mantinha nos seus olhos, a conversa continuava. O galo agora cantava anunciando o começo do novo dia, e a necessidade de descanso. Os três se levantaram e abandonando a escuridão retornavam a iluminada casa de seus pais, onde esperavam por dias melhores.

domingo, 5 de abril de 2009

Zii e Zie mais Leite Derramado


Abril começa sempre com uma mentirinha, mas dessa vez é verdade. Chico lança um novo livro, “Leite Derramado”, Caetano um novo CD, “Zii e Zie”.
Depois da procuradíssima turnê do Chico com o Carioca e das várias críticas sobre o novo ritmo do Veloso com o disco Cê, os dois debutam juntos neste mês.
A revista Bravo! publica na capa uma foto dos dois e escreve uma série de reportagens sobre suas a vidas e carreiras. Chico pretende não explicar muito o livro, nem dar muitas entrevistas, selecionando só alguns meios de divulgação, além de já haver liberado a gravação de algumas músicas para uma cantora não muito conhecida pela América do Sul.
Caetano ainda não falou sobre uma possível turnê de lançamento, mas já sabe-se que o novo CD conta com a parceria dos mesmos músicos de “Cê”.




“O novo romance, Leite Derramado, dá margem aos dois tipos de análise. Há pouco tempo, Chico Buarque comentava o que ele chamou de nova mania: a publicação de livros com genealogias de famílias tradicionais brasileiras. Ele se divertia um pouco com esse tipo de empreitada, pois lá pelas tantas sumiam uns nomes da árvore. Como se um galho tivesse sido arrancado. "As pessoas no Brasil pensam que são brancas, que eu sou branco", dizia. "Impossível imaginar uma família que esteja aqui desde o século 16 e não tenha se misturado com índios e pretos. Não tem como." O comentário — feito num dos 12 programas que ele gravou com Roberto de Oliveira, em 2007 — parece ter frutificado na cabeça do escritor. Ele procurou, em seu romance, dar conta dessa mania nacional de nobiliarquia, de bater orgulhoso no peito dizendo "sou descendente de barão".
Heitor Ferraz – Bravo! (Abril 2009)
Comentário para a Thamiris: Acho que o Chico anda lendo García Marquez, não?


sábado, 4 de abril de 2009

Robert Doisneau

Minha primeira participação por aqui deve trazer alguém genial, pelo menos antes de o Kaxopa se arrepender de haver me convidado. Nessa foto está o Picasso (para os leitores que não gostam muito de arte, HAHA) e foi tirada em Vallarius - França, em 1952, pelo Robert Doisneau.
O fotografo de P&B morreu em 1994, e destrói alguns conceitos de como trabalhar com fotografia "O meu pequeno universo, fotografado por poucas pessoas, toma um aspecto de tal forma exótico que se transforma na reserva de uma fauna espantosa. A mim não me fazem rir... mesmo se tenho pessoalmente uma vontade profunda de me divertir, e toda a minha vida me diverti, fabriquei um pequeno teatro para mim."
mais fotos em www.robertdoisneau. com ou, para os bem mais atrasados, google/imagens/roberto doisneau :)

Quando você não deve atender a porta.

Toca a campainha. Senti o último rastro de esperança em salvar nosso relacionamento. Sempre quis conversar, contar sobre a minha semana, minhas discussões na agência, cozinhar alguma coisa gostosa para nós. O problema é que nossa relação nunca chegou a tal fio de profundidade. Conto para meus amigos que, quando nos encontramos, só exige-se sexo, sexo e sexo.

- Estranho, estranho... Geralmente não acontece isso. Como alguém pode querer só sexo. Como pode?

Convido para arrumarmos nosso ninho de amor, nossa vida. Nada do que eu quero e digo parece satisfazer o meu oposto. Olho para o que abre minhas manhãs e imploro por um pensamento sobre o futuro, mas só vejo que não podemos continuar tão superficiais.

- Você não sabe o quanto eu gosto de você.

- O quanto, amor?

- O suficiente para sentir muita atração por ti.

-Então, por que você me traí?

- Porque acabei um relacionamento, entenda-me, eu gosto de você, só é muita carga para mim agora.

- Espera, deixa eu traduzir, você não quer ficar só comigo.

- Não, amor, só não quero casar contigo agora, somos tão novos.

Fazemos um sexo quase magnético. As roupas que estavam no chão já estão no corpo que eu tanto quero, andando por aí, cruzando outros olhares. Isso chama-se sedução. Pura e só. O problema é diferenciar, saber até onde quero ir, até onde devo pesquisar.

- Chega! Não sou um pedaço seu.

- Não é mesmo, você é um corpo meu.

- Como você me trata assim, eu lavo suas roupas do escritório!

- Obrigada, mas nunca pedi isso.

- Eu faço porque te amo, você não vê? E continua me traindo, saindo por aí com qualquer pessoa.

- Traindo? Nunca. Você está criando minhocas.

- Criando minhocas? Eu tenho provas, senti o perfume na sua camisa.

- Tá bem, amor, você me pegou, mas você me fez fazer isso.

Cheguei ao ponto X. O momento em que ninguém nota, mas é onde prefere-se ser um solteiro beberrão temporário à ser um eterno borra-botas iludido. As duas saídas estão claras para quem assiste à uma discussão clássica como esta, para quem vê além da cena.

- Cansei, sempre converso com os caras do futebol, você não é normal.

- Amor, eu sou a mulher do novo século, você não entende, você que é machista.

- Eu quero casar contigo, fazer filhos contigo.

- Desculpa, Sérgio, isso é muito pra mim.


quarta-feira, 1 de abril de 2009

À deriva

Depois desse último post “profundo”, como disse uma amiga, acho melhor escrever alguma coisa mais leve.  O grande problema é: que porcaria poderia entreter um bando de desocupados como os leitores desse humilde blog? Crônicas de putaria? Não, muito vulgar... Até porque inspiração para isso me falta ultimamente, se é que vocês me entendem. Histórias alcoólatras são sempre bem vindas, causos boêmios sempre existem. Porém, revelar intimidades desnudas, cheias de líquidos gástricos, garrafas vazias, dados e palavras enroladas, não iria ficar legal, pelo menos para os envolvidos.

                “Então, o que diabos eu estou fazendo lendo isso?”, você se pergunta. Caro leitor desafortunado, respondo-te: não sei também. Tudo que sei é que ainda tenho um pingo de esperança de que conseguirei ressuscitar esse texto e poderei apagar o que rabisquei até agora.

                Pois a pequena esperança agora se encontra perdida. Nada, além de nada, passa pela minha cabeça. Mas tenho uma idéia. Anos atrás escrevi um parágrafo, um jogo de palavras, já publicado em um falecido blog e acho que vou reaproveitá-lo agora. Minha nova parceira de blog não ajuda publicando nada mesmo. Isso que ela faz jornalismo.

                Próxima vez posto alguma coisa melhor...

 

“Verossimilhança

                A noite caia adiáfana. Os cotrucos, que antes gorjeavam nos buxos, agora descansavam e as cotréias cuidavam de seus ninhos. Na pequena choça, sentado em um velho escabelo, um homem dormia em sua inépcia. Pequenas esdrúxulas, num canto escuro e úmido da sala, se escondiam esperando a luz da pequena vela acabar, para atacar os restos da ágape deixados nos pratos. Escalafobéticamente, uma mulher saía escondida apenas de camisola pela porciúncula da frente, despavorindo as lamúrias que pastavam tranqüilas na noite.

Palavras erradas, palavras certas... Oh meu Deus! Quais estão certas? Escrever assim é tão divertido...

 

PS: É, eu estou sem nada para fazer...”