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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Cara, é muito tiro!

Gelson Domingos da SilvaO dia estava agitado na primeira hora da manhã na Unidade de Pronto Atendimento do bairro de Santa Cruz, Rio de Janeiro. Pacientes esperavam desde às 22h do dia anterior na fila quando seis homens fortemente armados do Batalhão de Operações Especiais (BOPE) invadiram o ambulatório com um homem nos braços. Carregavam o corpo de Gelson Domingos da Silva.

Gelson nasceu em 1965, na favela do Vidigal. Viveu a história clássica dos moradores das favelas cariocas tomadas pelo tráfico: menino mulato, pobre e vaidoso que, ao descer para o asfalto, sofre na pele a desigualdade social da cidade – isca perfeita para os aliciadores do crime. Ele chegou a flertar com as atividades do mundo das drogas, trabalhando como “aviãozinho” e fazendo pequenas em troca de alguns agrados, mas parou por aí.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O celular perdido (parte II)

parte I

vi

A casa Dela, porque não peguei seu nome – sempre quero acabar a conversa pelo telefone o mais rápido possível e acabo esquecendo de perguntar coisas básicas -, era na metade do caminho do ônibus. Como o ônibus faz mais voltas que um navio navegando contra o vento, de carro o caminho seria infinitamente mais rápido. E eu tenho um carro. Velho. E problemático. Mais de dez anos de estrada, popular, com certo vazamento, faróis temperamentais que gostavam de parar de funcionar – deixando-me somente com o farolete, ou com sorte, o farol alto – e o baixo orçamento para combustíveis fósseis, faziam do vale-transporte a opção mais viável. Mas para uma viagem breve, o Ventania, sim, esse é o nome do meu carro, seria ótimo. Tão ótimo quanto botar um ponto final naquela história. Peguei a chave, montei no Ventania e rumei até a casa Dela.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O celular perdido

celular

Pegar o ônibus depois das nove da noite, sozinho, sem o fone de ouvido do celular para escutar uma música nunca é bom. Você está cansado de trabalhar e, ou, estudar o dia inteiro e ainda tem que enfrentar o caos do coletivo viário de Florianópolis. Então você senta, fica olhando pela janela o comércio fechado, travestis chegando ao ponto e cachorros passeando, ou dá aquela olhadela quase discreta para as pessoas também entediadas no ônibus.

E era assim que eu estava. Sentado sozinho, olhando pela janela, sonhando alto com o que fazer na quinta-feira. Quando resolvi dar a olhadela semidiscreta para o banco ao lado, vi ela. Sim, ela. Gosto de escrever assim “então vi ela”, não “a vi” ou “vi tal-mulher-fazendo-tal-coisa” porque assim existe um ar clichê, misturado com dar uma pausa para eu pensar e descobrir como vou escrever a próxima frase. Mas vi ela. Pensando bem, “vi ela” é meio cacofônico. Então eu a vi. Isso, melhor.