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sábado, 5 de junho de 2010

“Tu acreditas em amor?”

***

Marina chorava deitada no divã, abrigada na escuridão de sua sala. No lado de fora a chuva fustigava a janela do pequeno apartamento. Dois dias de chuva, o mesmo número de dias sozinha. Enquanto as lágrimas escorriam pela face e pingavam do delicado queixo, ela se apegava as memórias e se perguntava se podia voltar atrás.

Levantou-se, caminhou lentamente, ainda de pijamas, até a janela. Olhando sua própria imagem triste, teve vontade de abrir-la para sentir a chuva no rosto, refrescar-se, limpar o choro, esquecer de tudo. Com as mãos na tranca desistiu, não adiantava, não iria curá-la. Não tinha mais nada a fazer além de se jogar novamente e se entregar às lagrimas, à torpe dor.

Quatro meses em que caminhou por cima dele, despiu-o de seu ego, provocou nele lágrimas. Irônico, ela pensava, agora sou eu aqui aos prantos. Como um animal cansado de ser maltratado, ele fugiu, não quis saber mais da mão que lhe trazia fel. Marina, segura, achava que estaria como antes, livre, desinibida, pronta para o resto da vida. Agora estava lá, deitada, coberta em seu pranto, acompanhada da chuva, escuridão e seu velho divã.

***

O sol começava a penetrar por entre as cortinas do quarto de Marcos. Enquanto o fio claro avançava pelo assoalho em direção ao seu rosto, ele despertava lentamente. Abria os olhos, passo ante passo, montando a imagem a sua frente, lembrando a noite passada. Deitada a sua frente, na alvorada de seu quarto, estava ela, rostos próximos, quase se tocando, sua mão, como concha, jazia no travesseiro, próxima à boca, como um anjo rezando.

Ele sentiu-se bem, um jorro de energia e bem estar espalhou-se pelo seu corpo nu. Os seios dela pouco cobertos pelo lençol, a mecha de cabelo caída sobre um olho, a boca perfeita semi-aberta, aquelas mãos delicadas. A perfeição daquele momento era absoluta, poderia durar para sempre.

Com um movimento firme, mas delicado, dos dedos, ele afasta a mecha rebelde para a orelha dela. Desperta pelo movimento, ela abre lentamente seus olhos e abre um sorriso jovem, puro como o primeiro raio de luz.

Bom dia.

***

Anoitecia lentamente, a brisa do fim de tarde começava a soprar, refrescando o longo dia de verão. Na varanda da antiga casa, uma cadeira balançava suavemente, nela um senhor idoso, cabelos ralos, mãos trêmulas e olhar cansado descansava. Ao seu lado outra cadeira, essa vazia, permanecia imóvel. Por sessenta anos balançaram juntas, passaram o entardecer juntas, unidas por duas mãos. Enquanto o vento limpava as pétalas roxas de quaresmeira do chão, os olhos cansados se fecharam deixando um fio suave, quase imperceptível, escorrer penosamente por suas rugas. Sessenta longos anos, pensava, tudo foi bom, tudo foi difícil, tudo valeu a pena. Sabendo que não lhe restava mais nada, a lágrima caiu em suas pernas. Lentamente a cadeira cessou. Por sessenta anos balançaram juntas. Nada mais justo que cessarem juntas, afinal, juraram dividir tudo, os momentos alegres, tristes, pobres, nem a vida podia separá-los.

***

Carlos colocava sua taça na mesa, enquanto fitava Fernanda profundamente. Como ele amou aquela mulher. Mais de quatro anos juntos, dividindo a vida com ela. Tudo começara como qualquer outro casal; se conheceram por acaso, combinaram de se encontrar em um bar, a conversa foi se entrosando, o interesse aumentado, e, quando perceberam, estavam juntos, completamente apaixonados.

Ele completava o vinho das duas taças. Continuava olhando-a. Ela mal percebia, entretida com a mensagem da amiga no celular. Quatro anos, continuava pensando. Sem perceber, desviou seu olhar para longe. Juraram amor, pensaram em morar juntos, planejaram tudo. Carlos conquistara os sogros, Fernanda o mesmo. Tudo estava encaminhado.

Agora, enquanto pensava, percebeu o que mais evitava. O amor esgotou. Aquele rosto que antes lhe causava falta de ar, agora era comum, não sentia mais nada, nem um mísero conforto na alma. Nada. Sorveu mais um gole de vinho. Não podia mais levar isso adiante. Era um desperdício, para ele e para ela. Tomar um tempo, que seria mais útil procurando um verdadeiro amor eterno, que agora ele duvidava que existisse. Quando Fernanda acabou de digitar sua mensagem e seus olhares se cruzaram, Carlos abandonou sua taça, tomou fôlego, e começou:

Temos que conversar.

***

O amor existe, é uma verdade biológica, assim como a paixão. Você pode achar que ele é chama e, por isso, é infinito enquanto dura, mas duvidar de sua total existência é duvidar que o próprio prazer da vida exista. Duradouro, mal correspondido, eterno, temporário, confuso, doloroso, prazeroso, o amor existe. Isso é um fato, queira ou não. Ninguém passa sua vida sem senti-lo.

Se não amar, nem por um momento, e não for correspondido, a vida não valeu a pena.

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