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sábado, 29 de maio de 2010

Jacobina

Aconteceu quando eu voltava do colégio. Estava no primeiro ano, não conhecia muita gente e o caminho até o ponto de ônibus eu fazia sozinho. Sem pressa, pois o almoço em casa sempre tinha que ser esquentado e havia muitos ônibus naquele horário, fazia o trajeto olhando a curiosa e, para mim, nova cidade açoriana - os velhinhos amontoados nos tabuleiros de xadrez ou jogando dominó, as ruas estreitas, o calçadão, o câmbio dólar.

Como eu era diferente naquela época... Mais magro, praticava esportes, não bebia ou fumava e queria fazer faculdade de História na UDESC. Mas ainda gostava de ler, passava tardes de ócio no computador e não entendia as mulheres, como hoje. O cabelo sentia falta de uma tesoura, sem corte, desgrenhado e comprido, a face sem barba, a testa com espinhas; calça jeans preta, camisa do colégio branca e por baixo a camisa australiana – então - preta.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Glossário-zinho-inho

O contato com os internos de uma penitenciária (para não dizer “presos”) é uma coisa única. Depois que cruzamos os  portões, o mundo fica de cabeça para baixo; tudo muda, a hierarquia, os hábitos e o vocabulário. O linguajar dos apenados (não vou dizer “presos”) tem as mesmas peculiaridades que qualquer vocabulário de qualquer “tribo” moderna tem. Algumas para não dar a entender a coisa errada – ou você acha que pedir um “rabo quente” não ia pegar mal?

Como várias pessoas gostam das gírias internas, ai vão algumas:

- Marrocos: pão

- Moca: café

- Vaquinha: leite

- Areia: açúcar

- Alpiste: arroz

- Rolamento/Jofer: feijão

- Macaca/Meia lua: banana

- RQ: rabo quente

- Semente: ovo (de semente de galinha, adoro essa)

- Granada: almôndega

- Zoiuda/Tela: televisão

- Papagaio: rádio

Sinto como se eu estivesse quebrando um código falando isso, então só vou ficar com esses. Quem sabe algum dia não afogamos o boi, arranjamos uma mulher de polícia assada, ou um caçador de Andrade do Design não é pego com o radinho andando por ai...

sábado, 22 de maio de 2010

5 maneiras de cortar uma árvore

Inspirado na série conceitual da Aglair Bernardo, quando a proposta é 5 maneiras de cortar uma laranja.

5 maneiras de cortar uma árvore, sábado, 22 de maio.

Cai uma árvore empurrada pelo vento, observada da sacada. Nem sequer havia uma serra ou um homem para gritar avalanche. Essa é a melhor maneira de tombar, ao destino, tranqüila, como deve ser. Às vezes, quando a árvore é um pouco desmilinguida, o melhor é cortar galho por galho, para evitar o caimento do seu mesmo lado. É quase uma tortura chinesa com a planta. Depois de tirar pedaço por pedaço, o golpe fatal é na estrutura, como uma última chance de entender que chegou o fim.

A terceira maneira economiza tempo. Você não quer vida nela, então a serra corta na base, e é de uma vez. A vantagem é que a culpa também dura pouco, logo outra semente cai na terra, e a árvore nem sente cada pedaço roubado. É uma solução egoísta, onde você machuca vasos floema e todo resto, mas só uma vez. Mais fácil ainda é quando a árvore é pequena, mas será plantada em outro solo, é só arrancar a raiz. Ela fica algumas horas em alfa, mas logo se conecta consigo mesma, voltando a ser vida.

A última é, sem dúvida, a mais cruel. Utilizada pelos grileiros do norte, usam uma serra que recebe força dos dois lados, por dois homens. Enquanto um empurra, o outro puxa. Duas pessoas. A serra vai entrando de pouquinho em pouquinho naqueles grandes caules de 4 metros de raio. Primeiro a epiderme, a derme, nervuras, estomas, tricomas, tudo sendo cortado por duas forças que nem pensam no que existe dentro daqueles 20 metros de confiança.

E cai. Com tudo dentro dela e em pedaços, pronto pra virar criado-mudo.