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domingo, 8 de agosto de 2010

A Máquina

Hoje uma nostalgia me acertou. Eu sempre passo por um corredor no trabalho onde escuto um som que não ouvia faz anos. O tec-tec alto, voraz, impiedoso de uma grande máquina de escrever. Olhando a sala da máquina, você se sentia admirando o passado; o funcionário, sentado, com a camisa de botões aberta até pouco mais da metade, com os pelos grisalhos do peito se projetando para fora, numa visão grotesca e suada; acompanhando o aspecto alheio, um cigarro jazia no canto da boca, implorando sutilmente para que suas cinzas fossem batidas. Quase inaudível, em meio ao frenesi escritor, um rádio anunciava as últimas notícias da cidade, já o barulho do velho ventilador de ferro pendurado no teto nem se escutava. Tirando uma foto sépia da cena, qualquer admirador desatento afirmaria: isso não acontece hoje em dia.

Mas ver esta cena não descansou minha nostalgia, apenas a provocou. Quando cheguei a casa, ao primeiro sinal de ócio, saquei dos confins da garagem uma caixa plástica laranja, empoeirada e que na minha lembrança era incrivelmente pesada. Tirei-lha o pó e pude ver seu nome, o qual não me lembrava: Remington 12. Se alguém me falasse, eu duvidaria, acharia que se tratava de um velho rifle usado por colonos para caçar - bugres ou queixadas.

Abri com cuidado a caixa, apertei, receoso, seus botões, ela não era usada há anos. Quando vi seu interior, aberta, lembranças me vieram à mente. Eu, mal alfabetizado, sentado no chão fazendo barulho, enquanto minha mãe servia o jantar, escrevendo histórias sem pé nem cabeça, com erros grotescos – ainda mais grotescos que os atuais.

Apanhei um pouco para lembrar como se colocava o papel, destravava, arrumava as margens, o “shift”, o “caps lock”, o 1 feito com o “L”. Mas logo, procurando o ponto certo da fita, consegui me acertar. E como o backspace faz falta. Digitava freneticamente, até depois que o sinal alertava que a linha estava acabando. Eu soube que estava fazendo tudo certo quando reclamaram do barulho.

Imaginei como Bukowski bateria suas putarias naquela máquina, com seu radinho sintonizado em Mozart, um copo de uísque e um cigarro. Como seria Cervantes se tivesse consigo uma dessas? As aventuras de Quixote seriam diferentes? Fazer as tabelas nessas máquinas; trabalho ingrato. Sem dúvidas, o computador tirou completamente a necessidade delas, mas, como os long-plays, elas ainda tem seu charme, seu barulho característico, sua inovação e história. Quem sabe um dia nós sacaremos nossos moderníssimos notebooks com a mesma sensação nostálgica pelo obsoleto?

Não mandaria o funcionário parar de bater suas fichas, nem fazer silêncio. Com cada batida ele deixa um velho ritual vivo; colocar o papel, acertar margens, endireitar o papel, rodar a fita, usar o L no lugar do 1, e, como nossas vitrolas, não podemos perder isso.

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