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sábado, 23 de junho de 2012

Jesus e o Careca

carvoeira-florianpopolisUm dos problemas de ter um relacionamento amoroso estável e longo - estável no sentido de sem traições e longo no sentido de mais de um ano de existência – é que você começa a viver das histórias de putaria dos amigos. A putaria do casal ainda existe, claro, mas aquela velha e boa putaria diversificada em parceiros, aquelas trepadas casuais, e bizarrices que decorrem, não acontecem mais com os ajuntados. Assim, depende-se dos amigos e suas histórias. Não estou dizendo que estar em um relacionamento é ruim, ele tem as suas vantagens, as quais só se conhece estando em um. Recapitulando, hoje não faço putarias, mas escuto as histórias de meus amigos. Essa que contarei é real, apenas os nomes serão trocados e aumentos desenvolvidos, mas tudo aconteceu na região mais prolífica para esse tipo de história: os arredores da Universidade.

Jesus não era o melhor nome que a mãe desse meu amigo poderia ter escolhido, primeiro por ele ser gaúcho e não porto-riquenho e segundo por ele ter tanto haver com o dito cujo de Nazaré quanto uma menina feia tem com o nome Bela. Mas sua mãe, tal qual certa Maria, não tinha como antever o futuro desse guri, criado no coração do Rio Grande do Sul, terra de homem macho e barranqueio, que teve de fugir à bala de sua terra e acabou por parar em Florianópolis. Jesus não era um idiota, pelo contrário, mas adorava se meter com mulheres estranhas e proibidas. “Você sabe que não nego mulher”, ele me dizia, “gorda, magra, funkera, gótica, insalubre ou depilada, eu gosto é de mulher”. E para satisfazer seu apetite, desenvolveu duas atividades que garantem mulher a qualquer um: tocar guitarra em uma banda e frequentar o Chat do UOL. Quando não conseguia mulher com sua guitarra, corria para a internet, e vice-versa.

Em um desses dias de seca, sem shows ou festas, resolveu entrar no famigerado Chat. “Doctor Tex” era seu pseudônimo. “Doctor” pelo doutorado eternamente cambiado e “Tex” porque, santo como Nietzsche e casto como Sade, Jesus renunciara seu próprio nome e adotara seu sobrenome mundano, Teixeira, como alcunha. Não tardou para uma mulher, também com vontades carnais, aparecer no bate-papo. Conversa vai, conversa vem, trocaram telefones. Jesus ligou quase imediatamente para a “CoelhaDaCarvoeira”.

“Kaxopa”, disse-me Jesus quando me contou a história, “Era uma voz muito tesuda. Parecia que ela tinha uns lábios carnudos, altas gatinha, sabe?” Conversaram um papo bacana e combinaram de se ver. Jesus a buscaria de carro, iriam ao Container tomar umas cervejinhas e depois sabe-se Deus que Diabo rolaria.

Jesus colocou o som alto o suficiente para incomodar os outros moradores do complexo de quitinetes, ouvindo Perfect Strangers e Panama. Lavou o cabelo comprido com xampu contra calvície, passou talco no pé e uma amostra grátis de perfume no pescoço. Jesus, el matador, estava pronto para conquistar qualquer prenda. E toparia qualquer mulher que ele encontrasse naquela casa, fosse careca ou vesga. Antes de entrar no carro, seu Celta Abatedouro, procurou o CD gravado em casa, com a etiqueta “Românticas”, cheio de baladas melosas de rock’n’roll, e ao sentar no volante escolheu Closer to the Heart para tocar.

 

A noite fria da Carvoeira jazia à sua frente, pronta para ser domada, enquanto seu Celta fazia rótulas e engolia as linhas brancas do asfalto. Seguiu as indicações, uma casa branca, um andar, número X, com uma figueira na frente. Teve a sorte de conseguir estacionar exatamente em frente ao portão. Checou o visual no retrovisor antes de saltar e caminhar até o botão da campainha.

Sua experiência em sites de bate-papo lhe ensinara que nunca se deve esperar muito das companheiras achadas, então ele não esperava um corpo sensual em um vestido de tubinho preto e curto, cabelos ruivos e tatuagens estratégicas; sabia que podia aparecer uma quarentona retocada ou uma anoréxica de dezoito anos. Mesmo assim tocou a campainha e esfregou as mãos, prevendo a putaria que rolaria.

E como se sabe, ou você deveria saber, eu não contaria essa história se a perfeição em saltos-altos aparecesse para abrir a porta e acariciar nosso Doutor. Mas nada bizarro apareceu à porta e desceu até o portão, apenas um homem de trinta e poucos anos, careca, de camisa branca e brim azul; o estereótipo da normalidade se pôs à frente de Jesus.

“Opa”, disse o careca, “posso ajudar?”

Jesus teve um sobressalto. Experiência, como eu disse antes, não lhe faltava. Já passara por poucas e boas. Na hora pensou: “Tá aí um corno... um corno que vai querer tirar satisfação.” O instinto de autopreservação é uma das coisas mais preciosas em qualquer espécie viva que queira deixar descendentes e Jesus, mesmo sem querer deixar descendentes, gostava de como tais descendentes eram feitos. Respondeu quase de pronto:

“Puts, cara. Eu to procurando a casa do meu amigo... o... Neves! Neves é o nome dele. Pensei que era aqui...” E começou a caminhar de volta para o carro, repensando o endereço da Coelha e onde teria errado. Quando estava chegando à porta do carro, o careca – qual a desgraça de ser careca, que se esquece de referenciar a pessoa por sua altura, peso, feiura ou beleza, resta-lhe apenas a careca – falou:

“Espera! Minha amiga tá esperando um cara, não é você?”

Jesus parou com a chave em mãos e mirou os olhos do interlocutor, que continuou ao ver a reação do cabeludo.

“Entra ai, te faço um boquete enquanto tu espera.”

Bem-aventurado, Jesus não pôs os pés naquele Inferno novamente, nem se dignou à negar três vezes a oferta...

2 comentários:

Luisa Nucada disse...

HAHAHAHAHAHAHAHAHA
muito bom, e muitíssimo bem escrito!

Anônimo disse...

Muito bom kaxopa! Ass.: Vera Lucia e Caio :*