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terça-feira, 14 de setembro de 2010

Echar de menos

buenos aires (396)

A Avenida de Mayo parecia um pouco diferente naquela noite. Mais colorida, clara, movimentada. O vento frio embalava a fumaça do meu último cigarro por entre os carros. Quando o táxi chegou, arremessei o cigarro com os dedos, tirei meu chapéu e sentei no banco de trás, abandonando minhas malas ao meu lado.

- Donde?

- Ezeiza.

O táxi arrancou no caótico centro de Buenos Aires. Costurando as pistas como todos os outros, desviando dos outros táxis que paravam sem aviso e dos ônibus coloridos como sombreiros mexicanos em direção de la Boca o Recoleta. Mesmo na bagunça, não se ouviam buzinas, era o caos motorizado mais organizado que já vira. Até os pedestres eram respeitados entre um ônibus afoito e outro.

- Brasileño?

Eu detesto hablar español, não por preconceito, mas porque meu conhecimento se restringe a comprimentos, xingamentos e frases aleatórias; não é à toa que uma cholita dizia-me: “Usted no es un poliglota, es un polidiota!”

- Si.

- Cigarillo? – Perguntou-me estendendo o maço para trás.

- No, gracias, pero puedes fumar...

- Oh, gracias. – Colocou o cigarro na boca e abriu a janela. Continuamos naquela conversa lacônica, mais pela minha falta de conhecimento linguístico que pelo meu humor.

Olhando pelo vidro de trás consegui ter minha última visão do Palácio Barolo. Uma homenagem de concreto e aço para Dante Alighieri. Todas as noites admirei-o do terraço do albergue ante de me deitar, imaginando sua imponência quando construído e o furor que causara na época.

Saindo da Avenida Nueve de Julio, comecei a sentir falta de alguma coisa. Chequei meus bolsos, mas tudo estava no seu devido lugar. O carro passava pelas ruas porteñas, pelos prédios de arquitetura europeia, mas decadentes, marcados pelo tempo e pelas crises, enquanto a sensação de perda aumentava. Um aperto. Uma dor estranha. Chequei minha mochila novamente. Tudo ali. Meu peito parecia carregado. Quanto mais distante, pior ficava.

Chegando ao aeroporto me despedi do taxista, que me deu um cigarro para a viagem. Marca argentina, desses que não vemos por aqui. Guardei-o no sobretudo de lã. Caminhei para o check-out. “Esse cigarro é de recordação.” Toda a dor aumentava enquanto eu entrava no saguão. Peguei minha passagem, entrei na área reservada. A dor começou a apertar meu peito.

No avião, enquanto ganhávamos altitude, vi a cidade pela última vez antes de ultrapassar as nuvens. As luzes foram se perdendo centenas de metros abaixo. Me disseram uma vez que o mal do viajante é não saber o lugar das saudades. Naquele momento eu entendi. Deixei um pedaço do meu coração em Buenos Aires.

3 comentários:

Anônimo disse...

Polidiota... boa....

Capitu disse...

Isso lá é bom ou saudável?

Daniel disse...

Por incrível que pareça, é ótimo