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domingo, 30 de janeiro de 2011

Palácio–partes III, IV, V e VI(final)

Continuação do conto Palácio. Está perdido? Parte I e parte II

Vera Lucia nunca entrara em um puteiro antes. Era acostumada com os que apareciam em enlatados norte-americanos. Deparou-se com um bar quase normal. Quase, se não existisse um palco com uma mulher seminua dançando e algumas garçonetes de lingerie e peitos à mostra. Provavelmente a putaria de verdade que esperava não começara devido à hora. Ainda era cedo, o Palácio parecia mais um lugar cult, onde poucos universitários tomariam alguma bebida discutindo alguma banalidade acadêmica. Um armário negro, usando um paletó gasto e fora de moda se colocou à sua frente.

“Olá... ahm... senhora?” A voz de dúvida de o que Vera estava fazendo ali era evidente. Ela, de repente, percebeu que estava muito arrumada para o local e, ainda, desacompanhada. Para uma cidade pequena e rígida moralmente como aquela, uma mulher daquela classe e, principalmente, desacompanhada, em um inferninho era algo demasiado estranho.

“Oi” A firmeza e confiança do cumprimento foi surpreendente até mesmo para Vera. “Quem escolhe as mulheres aqui?” Por trás da convicção da voz, ela escondia a incerteza de o que estava fazendo ali.

O leão de chácara mediu-a com olhos famintos e chamou-a para segui-lo até os fundos. Eles passaram por trás do balcão e entraram em uma porta entre o armário de bebidas e o freezer de cervejas. No fim de um pequeno corredor, o porteiro bateu na porta anunciando, “Tem uma nova aqui, chefa.” E fez um gesto para que Vera entrasse.

Fumando um cigarro atrás de uma escrivaninha, estava a dona da zona, sentada à frente de um computador, contando dinheiro. Tinha uma cara bem vivida de idade indeterminada pelas rugas de sol e cigarro. A mulher convidou Vera para sentar em um velho sofá encardido, se apresentou como Cami, “somente Cami, o resto é para os íntimos.” No começo Cami achou estranho o que uma moça tão requintada, que entre os atributos estavam bons ml de silicone, uma cintura fina, olhos profundos amendoados, rosto de pêssego impecável e cabelos loiros divinamente tingidos, queria ali no seu pequeno palácio. Lucia tentava escorregar pelas perguntas para conseguir o emprego, não que achasse difícil, mas a velha cafetina devia ter experiência suficiente para saber que ela não era do tipo puta de zona, mas de luxo. Com certas dúvidas na cabeça, mas a chance de ganhar um bom dinheiro por uma noite, Cami aceitou dar o emprego temporário como garçonete, para se adaptar, claro, algo necessário para alguém sem experiência no ramo, para Vera.

A conversa das duas durou o tempo que Vera Lucia esperava. A esta hora seu amado deveria estar chegando. Na sua cabeça, ela ainda não sabia se, a esta altura, ficaria feliz ou triste se Caio não aparecesse.

E lá estava ela, Vera Lucia, nata da sociedade, filha bem criada da burguesia, de lingerie, seios à mostra, pronta para começar a trabalhar. Tomou fôlego algumas vezes, hesitante, se punindo por tomar pouco gin em casa antes de sair. Mas ela se preparou bem, é, tinha pensado em tudo, passo por passo, como o vagabundo pagaria. Com um último suspiro, as mãos trêmulas empurraram a porta e ela entrou no seu pequeno inferno.

***

Enquanto dava a volta no balcão, seus olhos caçavam seu marido. Muita gente surgiu no intervalo de tempo entre sua chegada e a entrevista. Por sorte não achou nenhum conhecido seu ou de seu pai. Ah, se seu pai soubesse dessa. No fundo, uma estranha e sofisticada música lounge tocava. Enquanto pensava sobre que diabos aquele tipo de música tocava em um puteiro, ela avistou seu marido. Estava sentado em uma mesa, com um charuto entre os dentes, um copo de uísque na mão e uma maldita vagabunda dançando à sua frente. O desgraçado devia estar se sentindo o dono da zona. Com o sangue fervendo, subindo até os olhos, ela nem percebeu quem o acompanhava. Por trás, chegou perto do ouvido de seu homem e cochichou em sua orelha.

“Quer alguma coisa para acompanhar a puta?”

O susto de Caio foi impagável. Quando viu sua mulher ali, mostrando os ml que ele pagou com seu trabalho tão árduo, enraiveceu, mas quando lembrou-se de onde estava e o que estava fazendo, gelou. Sem saber o que fazer, Caio começou a gaguejar, procurando a resposta certa, a qual ele sabia que não existia.

Então Vera começou a declamar o discurso que ensaiara com copos de álcool. “Você não queria uma puta? Aqui está uma pra você”, “E você diz que me ama!”, “Já pensou na nossa filha?”, recheados de filhos da puta, corno, pinto manco e outros nomes que ela nem sabia que conhecia, esbravejou contra Caio, agora com o charuto caído no colo, ainda sem ação. Todo o cinismo que Vera queria mostrar perdeu-se no primeiro fonema. Ela percebeu que o armário de chácara se aproximava, então correu para a saída, empurrando a porta com raiva, deixando toda a zona imóvel, como se o tempo cessasse. Tudo ficou suspenso. As dançarinas, garçonetes, clientes, o armário e, principalmente, Caio pararam no tempo. A estranha música lounge mostrava o único dinamismo no Palácio.

***

Fora da zona, Vera Lucia correu para o seu carro. Isso não ia acabar já, foi muito rápido. Sentada no banco, teve a brilhante ideia. Se aquele filho da puta queria ir para um puteiro, se esbaldar com vagabundas, que ficasse lá. Cantando pneus, ela arrancou com sua enorme caminhonete e estacionou na porta do Palácio, bloqueando a única entrada e saída. Desceu do carro aos berros “Morra aí dentro, filho da puta!”, “Não quero mais te ver, seu merda!”.

Dentro do Palácio, começou a comoção. Ao ver o carro bloqueando a entrada e uma mulher traída gritando lá fora, um velho começou a gritar que ela iria colocar fogo na casa, o leão de chácara tentava puxar a porta, as putas correram para chamar Cami. A dona da zona chegou com o telefone na mão, gritando com a polícia. “Isso é cárcere privado! Sim, é do Palácio. Vem logo antes que ela toque fogo no meu estabelecimento!”

No lado de fora, Vera Lucia começou a se acalmar e percebeu o quão longe tudo tinha chegado. Entrou no carro, engatou a ré e desceu a rua, dobrando a primeira esquina. Logo após o carro dela sumir na escuridão, a polícia chegava para salvar o inferninho.

***

Em casa, a primeira coisa que fez foi pegar sua garrafa companheira e terminá-la. Minutos depois, Caio entrou, com um olho inchado e o nariz sangrando. Vera já estava pensando em começar a jogar as roupas dele fora das gavetas, mas quando viu seu Caio entrando, machucado, sangrando, alguma coisa pesou em seu íntimo. Sem pensar, ela abraçou-o.

“Por que, seu desgraçado?” Começou a soluçar, chorando copiosamente.

“Eu não fiz nada, só estava bebendo com os meus amigos”. A voz dele era, para ela, incrivelmente sincera e chorosa.

“O que fizeram com você? Está todo machucado.”

“Aquele porteiro filho da puta não deixou barato pra mim.” Ela começou, carinhosamente, a beijar seu olho inchado. “Se queres mesmo saber, agora estou banido de lá. Nunca mais posso voltar ou me quebram as pernas.”

Vera Lucia amoleceu. Sua raiva escorreu como as roupas de Caio escorriam agora de seu corpo enquanto se beijavam. Enroscados, tropeçando em suas próprias pernas foram até o quarto, onde, depois de muito tempo, realmente fizeram amor.

Nunca mais falaram sobre o assunto. Por algum motivo aquilo tudo os uniu. Depois de muito tempo juntos, finalmente marcaram o casamento na Igreja.

O Palácio continua de pé, funcionando perfeitamente. Só contrataram mais um armário e Cami faz entrevistas mais sérias com suas novas empregadas. A história virou uma lenda urbana entre nós frequentadores. E eu nunca esqueci aquela mulher raivosa correndo, gritando e xingando com os peitos balançando. Impagável.

- FIM -

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