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quinta-feira, 24 de março de 2011

Trilha sonora

Depois de uma longa noite de stress emocional à flor da pele, John foi viajar. Queria um pouco de ar, respirar outros ares ou quem sabe mesmo até ficar sem respirar. Pegou alguns pertences, o computador, juntou tudo na mochila e partiu em seu carro, rumo ao sul. O tempo não ajudava, as nuvens lá no céu ameaçavam engolir qualquer superfície seca em solo terrestre. Absorto em suas reflexões, com o vidro do carro fechado para evitar respingos da chuva que se armava a cada kilometro avançado em oposto boreal, John repensava as questões levantadas em sua última aula da graduação em Antropologia: vida e morte.

Acostumado com a estrada, John nem reparava mais os lugares que passavam a mais de cem pelas janelas laterais. Mas algo chamou a atenção de John. A chuva já havia iniciado seus trabalhos úmidos. Os carros andavam em ritmo mais lento, temendo uma iminente colisão. Nada que justificasse aquela fila imensa de carros andando a menos de cinquenta em plena rodovia federal. Ao observar essa cena curiosa, John não percebe, mas a música que estava rolando tocava seus últimos acordes. Enquanto ele não entendia por que tantos carros andando em baixíssima velocidade com pisca-alertas freneticamente ligados, Mr. Crowley iniciava seus primeiros acordes nos auto-falantes. Quem já ouviu essa masterpiece de Ozzy Osbourne sabe quão forte é esse início, com seu órgão monumental reverberando por todo seu canal auditivo, fazendo crescer um estranhamento no peito e na mente. Foi então nesse instante em que todos os pelos de John arrepiaram-se. Ele já vinha desconfiando, mas vocês deviam estar lá para ver a cara de John ao chegar no início da fila automotiva. Quando a introdução melódica chegou ao seu ápice, John passou pelo rabecão que puxava o cortejo fúnebre. Estarrecido pela sensação visual e auditiva, John não conseguiu tirar os olhos do station wagon prateados com vidros fumê. Depois de presenciar tantos funerais, foi nessa tarde dramática que John conseguiu sentir pela primeira vez a presença e o peso da Morte.


- "Sim, eu ainda vivo aqui!" (CAVIA, Léo)

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