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domingo, 20 de março de 2011

Vacaciones

Isto deveria ser escrito em espanhol. As frases, diálogos e pensamentos deveriam possuir aquele certo acento porteño, que se arrasta para fora da boca, do castelhano argentino. Qualquer um, porém, que já se aventurou em terras desconhecidas, além do Oiapoque ou Chuí, já sentiu algo parecido. As descobertas que uma simples refeição pode fazer...

Quase já passava das duas da tarde quando o casal chegou ao restaurante. A proximidade do português com o espanhol traz sempre uma vergonha estranha de errar algo que deveria ser fácil, tornando a fala baixa, tímida e mais enrolada que de costume. Os dois não estavam há muito tempo no Brasil, ainda conservavam a palidez cinza de Buenos Aires, nem estavam acostumbrados com a facilidade que um argentino encontra em se comunicar no norte da Ilha. A pareja sentou-se com a segurança das mãos dadas. O garçom se aproximou com a malandragem que reconhece um gringo pelo corte de cabelo.

“Olá, que tal?” Ah, o portuñol latente da população brasileira! Basta falar com a língua um pouco boba e nos tornamos hispanohablantes. “Que puesso ayudar?”

Hola, nos gustaria aquello.” Com a confiança de não saber direito se seria entendido, o homem argentino apontou para uma placa na calçada onde se lia: “Almoço comercial R$10,90”.

“Sim! Si! Ahm... gustarian de carne, frango... argh, perdón, pollo ou pescado?” Até o mais experiente garçom de Canasvieiras se confunde com os pratos do dia...

O casal se entreolhou indeciso. Bem, estavam em Florianópolis, onde muitos comem pescado, mas não conheciam esse pescado brasileño. A carne daqui deveria ser pior que a carne da tierra madre. “Pollo, dos pollos.” Parecia o mais seguro...

“Muy bien, e pra beber?”

Ahm...” A mulher continuava quieta, apreensiva, segurando firme a mão de seu hombre, seus olhos castanhos confiavam nas decisões dele.

“Temos coca, sprite, fanta, guaraná...” O garçom não conseguiu terminar...

“¿Que es guaraná?”

“Es uma fruta brasileña, muito bom.”

Dos sprites.” Não conseguiu convencer...

“Muy bien.” O garçom caminhou feliz para a cozinha por conseguir atender mais um estrangeiro nesse fim de temporada.

Os argentinos continuavam inseguros. Na verdade, a única coisa que conheciam bem no que pediram era o refrigerante. Pero... e se o refrigerante brasileiro fosse diferente do celeste? A cerveja brasileira não chegava aos pés da cerveza rubia da sua terra. E era bem mais cara! E esse almoço parecia muito barato... Não deve ser bom... Mas aquele casal brasileiro parece gostar da comida. Olha, tem papas fritas. E o pollo parece bom...

Ele confortou sua mulher com um cafuné e algumas palabras de carinho. Começou a olhar o que existia na mesa. Aquilo era sal, fácil, o brasileiro da frente o jogou nas papas. Eles não jogariam açúcar nelas. Nenhum país faria isso. O vidro esverdeado parecia aceite de oliva. Mas e o outro? Era água? Não faz sentido. Uma cheirada resolve.

E assim fez, pegou o vidro transparente e levou ao nariz desconfiado. Ah, era vinagre! Bom... bom...

Não demorou muito para o garçom trazer a comida. Arroz, pasta, papas fritas, lechuga, tomate e... e...

Qué es esto?” Ele apontou para um pote com o que parecia um creme negro com algumas sementes pretas dentro. Não parecia muito bom...

“É porotos negros.” O garçom mal acabou e foi atender outra mesa.

Existe uma velha expressão, não sei se existe algo parecido em espanhol, mas que em português diz “macaco vê, macaco faz”. E foi o que ele fez. Observou o casal da frente colocar aqueles porotos sobre o arroz e misturar um pouco. Deve ser assim... É bom...

Depois perceberam alguma coisa frita junto às papas. Parecia um cilindro curto, amarronzado e macio. Muito estranho. Dessa vez a mulher teve o espírito pioneiro. Cortou um pedaço bem fino e levou à boca. Mastigou com estranheza e levou um susto.

“Es banana!” Foi um gozo misterioso saber que aquela coisa estranha era tão familiar e ficava tão boa frita daquele jeito.

E os dois comeram suas bananas. Conseguiram se livrar do medo de um país tão estranho e próximo. La lechuga, tomate, papas o pollo tornaram-se acompanhamento de uma festividade gastronômica esquisita e exquisita, que os libertou para saborear um país diferente. Quando acabaram, satisfeitos, passearam pelo bairro de mãos dadas com a certeza de que o dinheiro economizado valeria a pena, que aquela ilhazinha perdida no mar os surpreenderia muito.

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