Páginas

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Pregos

Porque sempre é um dia de chuva? Ao menos vai estar vazio, lugar para estacionar e calma para visitar. Faz meses que não o visito, mas a memória ainda está clara. Toda a família reunida, conhecidos, até políticos; ele com sua calma serena e a roupa da ordenação a diácono. Venho de uma família extremamente católica, daquelas que participam de todos os bingos, reuniões paroquiais, pagam o dízimo e tem banco cativo nas missas de domingo. Tenho um tio padre e minha avó sempre tentou me empurrar a profissão, não tenho a vocação, sou muito contestador. É isso, porém, que a Igreja precisa agora, mas já decidi meu caminho.

Passo os portões de aço, estava tudo vazio como esperado. Estaciono o carro o mais próximo possível. Com cuidado com as poças, salto do automóvel e abro o guarda-chuva. Gosto de vir sozinho, apesar da situação, é um bom lugar para meditar - mas se vier no verão, traga repelente, os borrachudos são terríveis. Caminho pelo gramado com cuidado e respeito, procurando pelo lugar certo. As flores de plástico em alguns túmulos dão um ar mais mórbido ao já funesto; as considero piores que as secas. Por mais imóvel que pareça, os pássaros dão vida, se esta expressão for possível, ao ambiente.

Mais alguns metros, estou chegando. Encontro um tio, grande figura pelo que dizem, nunca o conheci direito. Vejo-o somente em fotos amareladas, sempre o reconheço pelo seu vasto bigode. Mas não era ele que vim ver. No lado esquerdo está meu avô. A lápide ainda nova, limpa por minha tia na quarta-feira, e os lírios brancos deixam tudo um pouco mais belo, na medida do possível. Leio o epitáfio, “Dai graças ao Senhor porque Ele é bom, eterna é sua misericórdia”, lema de sua ordenação. Seguro as lágrimas, não quero chorar mais.

Meu avô morreu de câncer no pulmão. Não propriamente do câncer, mas por complicações na cirurgia para sua retirada. Maldito hábito esse de fumar. Uma válvula de escape que parece ótima, mas se torna um pesadelo. Tanto que, apesar da causa do falecimento, o número de cigarros fumados na família só aumentou. Cada cigarro é mais um prego no caixão. Sempre me disseram isso... Ah, a estupidez humana.

Encerro minhas orações, olho mais uma vez o nome de meu avô e despejo a última lágrima. Volto para o carro, mas no caminho acendo um cigarro.

Nenhum comentário: