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segunda-feira, 6 de junho de 2011

Gracias por el fuego

Mario Benedetti, Gracias por el fuego (1965)

- Para os norte-americanos a democracia é isso: deixar que em seu país todo mundo vote e passe o weekend lendo tiras humorísticas, deixar que todo mundo (menos os negros que estão em penitência ) se sinta que é cidadão, e por outro lado aproveitar o trabalho da chusma latino-americana. Para mim, ao contrário, a democracia é isto: escrever todos os dias um editorial de exemplar maturidade e correção política, e telefonar em seguida para o Chefe de Polícia para que de um arrocho em meus operariozinhos em greve. Eu não tenho dúvidas. Já que me coube nascer num país de merda, eu lhe correspondo. Eu o uso para mim, isso é tudo. Seu bisavô falava de Pátria, seu paizinho fala sobre Nacionalismo, você fala sobre Revolução. Eu falo de mim, garoto. Mas garanto que sei mais do meu tema que vocês do seu. Que somos colônia? Claro que sim. Afortunadamente. Mas, diga-me. Quem aqui quer ser independente? Vejamos essas bombinhas, por favor. Juro que não me assustam. Uma coisa eu te digo. É mais provável que um dia um operário que eu despeça ou insulte, porque gosto de insultá-los, vá ruminando até sua casa, rumine um pouco mais enquanto toma seu mate, então compre um revólver, volte até a fábrica e me dê um tiro; é mais provável que isso aconteça um dia e não que suceda algo tão descartável e tão insólito que seus esquerdistas de botequim se porem de acordo, armarem finalmente o quebra-cabeça de seus escrúpulos e suas tendências e decidam por uma bomba em meu Impala. Para matar um sujeito tem-se que acordar corno ou ter colhões ou estar bêbado. E vocês tomam coca-cola.

Mário Benedetti é muito conhecido por suas maravilhosas poesias - uma delas já postada aqui há muito tempo. Mas como minha paixão é pela prosa, não pude evitar de comprar Gracias por el fuego (1965), o terceiro romance do brilhante uruguaio. E sim, mesmo traduzido, o nome do livro continua em espanhol.

O livro conta a história de Ramón Budiño, um montevideano filho de uma das figuras políticas mais importantes do país, Edmundo Budiño (que profere o discurso citado ao neto). A trama gira em torno da vontade de Ramón de matar seu pai, para libertar a si, seu filho e o Uruguai de um dos nomes mais nauseabundos do país. O fracasso e falta de rumo de toda a sociedade uruguaia – muito similar a de outros países latino-americanos – faz o personagem entrar em uma tormenta desesperadora, levando-o a um final magnífico.

Todo o cenário político de um pequeno país cercado pelos Brasil e Argentina ditatoriais, com o medo do comunismo e inspiração da elite no amercian way of life, é retratado com a prosa poética de Mário Benedetti.

É um romance altamente psicológico, altamente envolvente e de uma construção genial, que consagra Benedetti como um escritor completo.

Para finalizar, um poema presente no livro:

Corazón coraza

Porque te tengo y no
porque te pienso
porque la noche está de ojos abiertos
porque la noche pasa y digo amor
porque has venido a recoger tu imagen
y eres mejor que todas tus imágenes
porque eres linda desde el pie hasta el alma
porque eres buena desde el alma a mí
porque te escondes dulce en el orgullo
pequeña y dulce
corazón coraza

porque eres mía
porque no eres mía
porque te miro y muero
y peor que muero
si no te miro amor
si no te miro

porque tú siempre existes dondequiera
pero existes mejor donde te quiero
porque tu boca es sangre
y tienes frío
tengo que amarte amor
tengo que amarte
aunque esta herida duela como dos
aunque te busque y no te encuentre
y aunque
la noche pase y yo te tenga
y no.

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