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quarta-feira, 22 de junho de 2011

O poetinha – parte II

*Parte II? Que diabos?! Leia a primeira parte aqui

Érato, de Edward Poynter

Era um quente fim de tarde quando Chico entrou no ônibus. Mesmo com todas as janelas abertas, a sensação abafada era quase insuportável. Com cair do sol, um matiz brilhante viajando do cobre ao rosa pousava no horizonte, refrescando os olhos cansados de um dia quente de verão. Naquela época, ainda se entrava no ônibus pela porta traseira, você não via o rosto da pessoa que sentaria no seu lado para escolher a melhor companhia. O ônibus estava lotado, dando apenas uma opção de banco para Chico. Por sorte, no lado de uma mulher; e ela era linda... pelo menos de costas. Cabelos loiros com mechas que iam do amarelo-claro, quase branco, ao dourado do ouro velho, balançando com o vento da janela e refletindo a morte lenta do sol.

Sentou-se ao lado daqueles cabeços lindos. Quando se sentou, ela sorriu para ele. Lábios pintados de vermelho sangue. Olhou-o tímida. Olhos de mel. Voltou-se à janela, observando a cidade enquanto segurava a cabeça. Aquele pescoço com uma veia esverdeada subindo, a pele branca... A visão lhe hipnotizava... Perdido naquele rosto... esqueceu-se do tempo...

Tempo! Tinha de escrever um poema! Estavam no meio da viagem, ela poderia saltar a qualquer momento! Pegou o bloco e começou a rabiscar. Nada parecia bom o suficiente. Nunca em todas as outras poesias teve problemas, eram só declarações sem fundo real, apenas uma artimanha para se deliciar posteriormente. A escrita virara um esporte; deixara-o acomodado com sua ilusão de mestre dos versos, deixara-o vazio no fundo. Rabiscou, escreveu, mas nada era digno, nada é digno.

“Licença?”

 

“Licença?”

O sol terminava de se pôr e a garota se levantava para saltar. O vazio tomou conta da mente de Chico. Deu espaço para ela sair. Rasgou com raiva sua folha rabiscada. A primeira vez que não conseguiu escrever. E seria a última. Enraivecido com si mesmo, esperou o resto de sua viagem pela noite recém chegada.

Chegou a sua casa, pegou folhas novas e uma caneta melhor, com a imagem da sua musa cristalizada na retina, começou a escrever uma poesia. Deixaria todos os seus outros versos como rascunhos, suas quarenta e seis folhas entregues nos ônibus pela cidade como as linhas de um amador entorpecido de confiança.

Pela janela do meu quarto, enquanto eu lia meu primeiro Fitzgerald, vi a luz do quarto acesa até a madrugada. Por volta das quatro horas, Chico terminou seu poema derradeiro. Aquele não merecia um número e apenas um nome vinha a sua cabeça: Érato.

Por uma semana tentou reencontrar sua musa de cabelos dourados, pegava ônibus no mesmo horário daquele dia, com o poema no bolso, escrito à mão; não sabia, entretanto, que aquele era seu canto do cisne. Em uma tarde parecida com aquela, encontrou a sua inspiração. Tomou o último ar e caminhou com seu réquiem em mãos.

***

Continua…

Um comentário:

Anônimo disse...

Porra valho!!! Parte 3 é sujeira hehehe