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sábado, 17 de outubro de 2009

Sebastião

Nas minhas longas quartas-feiras no Parque do Córrego vejo muita coisa, das mais banais às pitorescas. Velhinhos curtindo a melhor idade com passeios vespertinos, jovens moças com suas roupas apertadas dando voltas e voltas, um senhor de barba e cabelo vikings tomando chimarrão enquanto canta uma velha canção, além de, é claro, crianças, muitas crianças. Mas nenhum desses personagens cotidianos realmente faz diferença para mim, suas passagens são - desculpem – passageiras. Um único personagem certa manhã apareceu como quem não queria nada, o atendi como quem não queria nada e por fim passamos a manhã conversando. Seu nome descobri apenas depois, quando estávamos voltando, eu para a Universidade, ele a caminho da escola de sua filha, era Tião.

Meu Deus, que inveja de você, trabalhando nesse escritório lindo”, disse ele gesticulando para o lago. A estatura baixa, a cor marrom com rugas de sol, o cabelo raspado, as roupas simples e a voz mansa, faziam impossível não conversar com ele. “Adoro meu trabalho, sou pedreiro, na verdade trabalho com elétrica, mas o seu mata a pau”, continuou. Papo vai, papo vem, crianças passam, velhinhos também, e a conversa continuava. “Sou do interior, vim para cá fazer História na Federal, mas larguei no segundo semestre para ir até o Uruguai e Argentina de bicicleta”. Que criatura diferente, nunca esperava isso dele quando nos encontramos. “Não quero ficar rico, tendo dinheiro para comer, morar perto da praia e tomar minha Kaiser no final de semana, não passando fome, tá ótimo, tenho pena de quem vive pelo dinheiro”, nessa hora eu já estava adorando o cara. Conversamos mais sobre natureza, história, arte, Florianópolis, RU, mulheres e futebol, talvez não nessa ordem - nem de modo tão linear. Mas quando olhei meu relógio e já eram onze horas tivemos de partir. Um aperto de mão no trevo do Córrego, a, um tanto tardia, apresentação e um “Até logo”. Pronto, Tião se foi, ia começar a trabalhar em Canasvieiras, não teria mais folga, nem manhãs à toa para passar no Parque.

De personagens assim, criaturas de aparições únicas e rápidas, como estrelas cadentes, que salvamos nosso cotidiano da monotonia. Um cara no Básico com quem discuti a vida e obra do João de Barro, ou, como ele o chamava, Barreirinho; um bêbado na saída do Beira-Mar que discursava sobre Frank Zappa; um chapado que tentava filar meu cigarro; um cabeludo que queria saber sobre tarraxas; todos doses únicas de companhia bizarra, mas muito divertidas. Ficam guardados lá na memória, junto com o Tião, em seções especiais, dedicadas ao inesperado e estranho.

Tomara que ele consiga seu dinheiro para a cerveja, mas que não seja Kaiser.

2 comentários:

Unknown disse...

Ahhh, como assim?!

Tava tudo muito bem até você falar mal da pobre kaiser!

O que seriam das festas na laje batida anteontem se não fosse o custo-benefício da kaiser?! E as reflexões nas manhãs intermináveis no banheiro de um amanhecer pós-kaiser? E o tio gordo tarado de bigode da propaganda da kaiser?

Como fica? Ein? Ein? Einnnnnn?

Daniel disse...

Quer realmente refletir ao amanhecer? Vá à Cantina do Pipa e tome uma garrafa do vinho tinto suave deles.
Quer um tio gordo tarado de bigode? Lembre-se do Bigode do 2º ano. Quer custo-benefício? Beba na casa do Samo.

E tenho dito!