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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Divã

Divã

“Sente-se”

A psicóloga pediu calmamente quando entrei no consultório. Era a primeira vez que eu ia a um psicólogo. Não pude evitar me sentir avaliado por aqueles óculos de massa negra, do pé à cabeça, passando pela minha roupa, mochila, barba e cabelo.

Apresentamo-nos e apertamos mãos assim que entrei no apertado divã. Ela se chamava Sofia, uma morena em seus quarenta, mas extremamente enxuta, de olhos serenos de caramelo, franja e cabelo preso em um coque, espetado com aquele pauzinho parecido com um hashi gigante que mulheres usam.

“O que te aflige?” Disse ela, pegando seu caderno e caneta que estavam deitados em seu colo.

“Sinceramente, eu não sei exatamente...”

“Tente me explicar.” Tive vontade de pedir para que parasse de me fuzilar com aqueles olhos. “Se preferir, pode se deitar.”

“Como Freud dizia?”

Ela sorriu. “Exatamente.”

Deitei-me e, enquanto procurava palavras para começar, admirei os quadros pendurados na parede; cópias de Picasso, Dalí, Van Gogh e Modigliani, além de pinturas a óleo, lisérgicas e que desconhecia.

“Gostou dos meus quadros?” Cuspiu Sofia com um sorriso.

“Ótimos, mas não conheço essas a óleo.”

“São minhas. Pinto nos finais de semana. São minha terapia, com eles não preciso procurar um psicólogo para mim.” Pareceu encabulada ao falar.

“Ah, se comigo fosse assim.” Falei com um sorriso bobo.

“Você pinta também?” Ela se inclinou em minha direção e empurrou os óculos de volta ao nariz com o indicador.

“Não, mas eu escrevo... ou tento...”

“Você não tem cara de poeta.” Disse Sofia rindo.

“Mas não sei escrever poesia mesmo... Faço só prosas curtas.”

Ela anotou algo em seu caderninho. “Escreves sobre o que?”

“Olha, se você escreveu ai nesse caderno que eu escrevo porque o lápis é um objeto fálico e porque sou apaixonado pela minha mãe, eu vou embora.” Falei rindo.

“Que pena...” Ela fingiu riscar algo escrito. “Relaxe, não sou tão chegada em Freud.”

“Posso acender um cigarro?” Pedi com uma cara de cão abandonado.

“Se fosse um cachimbo eu deixaria.” Respondeu jovialmente.

“Vou providenciar um.” Falei sério e impassível.

“Você sabe que eu estou brincando, não é?” Disse séria.

“Eu sei, mas vai que você deixe.”

Ela anotou mais alguma coisa.

Fiquei em silêncio.

“Continue...” Pediu.

“Não gosto dessa ideia de escrever às minhas costas.”

“Mas, como escritor, você não faz isso também?”

“Faço, mas não na frente dos outros.”

“Bem, me desculpe, mas faz parte.”

“Eu sei.”

Ela pegou sua garrafinha de água e tomou uma boa golada, depois ficou me olhando. Tomei fôlego.

“O problema é que não sei o que fazer da minha vida. Ainda não me formei, mas sei que aquilo não é exatamente o que quero fazer da minha vida.”

“E você quer continuar o curso mesmo assim?”

“Sim, só me dei conta agora e estou na última fase.”

“E escrever?” Os olhos de Sofia brilharam enquanto perguntou.

“É só um hobby. Adoro, mas nunca levei a sério e, francamente, viver como escritor não é exatamente fácil.”

“Mas você não acha que nada é fácil?” Agora ela escrevia como louca.

“Nada é fácil, mas existem coisas mais difíceis que outras. Como eu, um formado, melhor, um quase formado em História vou me fazer escritor? Não tenho contatos, nem tempo. Se eu fosse de berço de ouro e não precisasse de trabalho, poderia ficar escrevendo em casa o dia inteiro. Nem sou bom assim. Sou como milhares de jovens que escrevem no tempo livre e sonham se tornar um Bukowski.” A velocidade maníaca da caneta dela era tão alta que o caderno estava quase entrando em combustão. “Largar tudo para tentar ser um escritor profissional, com as enormes chances de fracasso não faz meu tipo.”

“Uhum...” Fez uma pausa me encarando. “O que você quer comigo?” Se apoiou em seus joelhos, chegando perto de mim, mirando meus olhos com aqueles seus olhos caramelados, protegidos pela barreira vítrea de seus óculos. Naquele momento ela estava muito sensual.

“Que você me conserte.” Respondi convicto, devorando aqueles olhos.

“Você quer ser ‘consertado’?” Sofia falou com a caneta entre os lábios.

“Não sei...” Abri a boca para falar algo mais, mas ela me interrompeu.

“Infelizmente nosso tempo acabou. Nos vemos semana que vem nesse mesmo horário?”

Assenti com a cabeça enquanto me levantava. Despedimo-nos. Na porta, virei-me e disparei:

“Você sabe que vou escrever sobre isso, não é?”

“Não se preocupe. Eu pintarei sobre isso.”

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